2012/12/08

“Inimigo” por Luís Santiago Baptista, 2012

INIMIGO – O CRÍTICO 
…OU UMA PERSPECTIVA (AUTO)CRÍTICA DO CRÍTICO-ARQUITECTO 




















Num concurso recente para a equipa editorial de uma publicação, lançámos a questão: “Para que servem os críticos?”. Pensámos: será que servem para pensar a condição da disciplina no actual momento de crise? Será que podem ser os mediadores privilegiados entre a teoria e a prática, entre o pensamento e a acção? Tamanha ingenuidade. Na verdade, vistas bem as coisas, os críticos não servem para grande coisa. Como arquitectos, os críticos são inevitavelmente os que não sabem do ofício. Como diz o saber popular: quem não sabe fazer, ensina… ou escreve… ou comissaria. O que vale a arquitectónica de um discurso perante a evidência material de uma obra de arquitectura. 
Primeiro, concentremo-nos nos arquitectos propriamente ditos. A cultura de projecto em Portugal exerce-se, por natureza, de modo intuitivo. Sem grandes rasgos teóricos e com magras memórias descritivas. Descrições lacónicas e auto-evidentes de decisões projectuais. O que diga-se por si só não é a raiz do problema… mas tem consequências. Em segundo lugar, alarguemos a análise à nossa cultura arquitectónica. Não parece existir reflexão teórica para além da actividade projectual. Reflexão sim, mas com finalidade prática. Com o objectivo de construir materialmente obra. E este facto, não sendo negativo em si, também tem consequências. No limite, sofremos de uma instrumentalização da reflexão teórica no projecto. Um meio para um fim. O que condena o que está fora para um deserto disciplinar. Uma cultura anti-especulativa e anti-imaginativa… numa circunscrição forçada ao pretensamente real. Pensemos, mas dentro do quadrado da obra construída. Em terceiro lugar, aproximemo-nos finalmente do crítico. Habitando um mundo hostil, o crítico move-se entre as gotas da chuva. Entre compromissos e amizades, esbarra com a ausência de uma cultura crítica. Verdadeiramente crítica. Positivamente crítica. Construtivamente crítica. Na verdade, um lugar imaginado e imaginário onde a crítica não crie inimigos… mas conhecimento e partilha. Partilha de conflitos e tensões necessariamente. Em suma, o crítico não se safa com a crítica. Social e financeiramente. 
No entanto, por cá, os críticos até fazem arquitectura. E ainda por cima publicável e, em casos excepcionais, premiável. O que pode indiciar um inconfessado mal-estar com a sua condição profissional menor. Ao crítico resta-lhe ser propriamente arquitecto… em regime pós-laboral e temporário. O que, digamos, o envia para uma liga de honra. Mas o suficiente para experimentar algo da sua aura. Essa aura artística e mediática que assombra a profissão. 
Porém, em abono da verdade, os críticos portugueses não deixam de servir para alguma coisa. Preenchem aquelas páginas de texto iniciais ou finais das belas monografias dos arquitectos da primeira liga. Ou escrevem uns ensaios, num tom que pode ir do intuitivo ao lacónico, sobre a situação identitária da arquitectura portuguesa. Aludem a recônditas referências disciplinares e citam inteligentes máximas filosóficas ou literárias. Tudo com vista a projectar os eleitos na champions league
De resto, os críticos têm ainda outras utilidades. Quando não se isolam nos refúgios da academia, também descem à terra. Promovem uns debates e animam umas tertúlias sobre temas mais ou menos quentes da actualidade. Uma espécie de entretenimento disciplinar. Provocatório e divertido quanto baste… como um reality show. Finalmente, por vezes, os nossos críticos apresentam-se em júris, onde podem gozar momentaneamente de um poder que sempre lhes escapa. 
Em última análise, permanece a dúvida: para que servem efectivamente os críticos?